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16
maio
08

Luta e maravilhamento em Cortázar

 

A vida de Julio Florencio Cortázar teve um começo, diga-se, inusitado. Filho de pais argentinos, ele nasceu na embaixada do país na Bélgica, onde a família estava morando por conta de trabalhos diplomáticos do pai, Julio Cortázar. A mãe, Maria Herminia Descotte era dona-de-casa e foi a maior incentivadora do filho para que ele torna-se escritor.

Tipo alto, esguio, os cabelos desgrenhados, quase despenteados, olhos castanhos de um olhar penetrante; firme, mas distante, como se quisesse esconder algo. O sorriso era tímido, talvez em razão da infância nada fácil. Desde pequeno sofreu provações. Foi abandonado pelo pai, teve que vencer as inúmeras doenças a que foi acometido, mudou de país por não concordar com o regime peronista na Argentina… E venceu todas. Teve a vida que quis e a que não podia imaginar.

A infância pobre e o fato de estar sempre doente levaram Julio a ler muito, livros escolhidos por sua mãe. Apaixonou-se por Julio Verne logo de cara; recebeu grande influência de Edgar Allan Poe, de quem foi o maior tradutor. Quando morou em Barcelona, encantou-se com o Parque Güell, idealizado por Antoni Gaudí, tendo-o como fonte de inspiração. Como ele mesmo contava, “pase mi infância em uma bruma de duendes, de elfos, com um sentido del espacio y del tiempo diferente al de los demás”.

Cortázar foi o precursor de um tipo de literatura que ficou conhecido como realismo fantástico, por tratar o texto com maravilhamento e fantasia. O autor relatou, certa vez, que “desde pequeño, me fascino la noción de monstruo, la idea de los animales mitológicos: uma cabeza de león, alas de áquila y plumas de pato, porque eso naturalmente provoca la indiferencia general de la gente . Pero me fascinaba porque me di cuenta de que eso se podia extrapolar a operaciones mentales, a conductas. Desde que yo empece a escribir, la noción de lúdico estuvo profundamente imbricada, confundida com la noción de literatura. Para mi, uma literatura sin elementos lúdicos era uma literatura aburrida, la literatura que no leo, la literatura pesada, el realismo socialista”. E ele tem inúmeros livros, sendo mais de 50 entre romances, cartas, livros sobre teatro, poesia, e até, tardiamente, sobre política.

Comunista que era, não concordava com o governo de Perón, na Argentina, mudando-se para Paris em 1951, a pátria que escolheu para viver e morrer. De fato, Cortázar nunca tinha se interessado por política. Mas, ao visitar Cuba, foi tomado de assalto pelos movimentos contra a ditadura que aconteciam tanto na América Latina e sua literatura foi marcada por esse movimento. Segundo ele, “la revolución cubana, por analogía, me mostró entonces y de una manera muy cruel y que me dolió mucho, el gran vacío político que había en mí, mi inutilidad política. Desde ese día traté de documentarme, traté de entender, de leer: el proceso se fue haciendo paulatinamente y a veces de una manera casi inconsciente. los temas en donde había implicaciones de tipo político o ideológico más que político, se fueron metiendo en mi literatura. Ése es un proceso que se puede ir apreciando a lo largo de los años.”.

Mas Cortázar nunca foi militante, apenas colocou no papel todo o sentimento que tinha em relação à América Latina, em geral. Ele descobriu sua consciência política e o interesse humanístico a partir da preocupação e o interesse pelo destino do próximo.

Nas palavras do escritor, “comprendí que el socialismo, que hasta entonces me había parecido uma corriente histórica, acetable e incluso necesaria, era la única corriente de los tempos modernos que se basaba em el hecho histórico esencial, em el ethos tan elemental como ignorado por lãs sociedades en que me tocaba vivir, em el inconcebiblemente difícil y simple principio de que la humanidad empezará verdaderamente a merecer su nombre el dia que haya cesado la explotación del hombre por el hombre (…) Desde el momento em que tomé conciencia del hecho humano esencial, esa búsqueda representa mi compromiso y mi deber”. De fato, a revolução cubana nunca mais tiraria o furor com escrevia sobre isso, mas sem perder o foco da sua literatura. De acordo com Cortázar, era uma literatura de compromisso, e não comprometida.

Durante uma boa parte da carreira, não conseguiu distinguir política e literatura, produzindo muitos livros a respeito desse assunto. Dentre eles, o mais político de todos é “El libro de Manuel”, em que há uma síntese das buscas estéticas e do interesse pelos movimentos revolucionários daqueles anos, mas que ainda assim, conserva toda a fantasia e o frescor que fizeram de Cortázar um escritor único, incomparável. Um homem que escrevia com humor, por acreditar que assim, os temas ásperos das ditaduras latino-americanas seriam mais facilmente digeridos pelos leitores. Essa era a sua vontade. De um mundo mais justo, mais humano, mais igual.

Em 12 de fevereiro de 1984, no entanto, a pena cessou. Julio Cortázar faleceu por causa da leucemia, em Paris. E a literatura ficou órfã de um dos seus maiores expoentes.




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