Archive for the 'Crônicas' Category

25
maio
08

Reviravolta da eterna ditadura

O dia 1º de abril de 1964 seria feriado nacional se o regime não tivesse durado mais de vinte anos e tivesse chegado ao fim pela própria fadiga dos militares. O golpe foi apoiado por muitas e muitas pessoas. Todos acreditavam ser a grande salvação do futuro brasileiro. Pouquíssimos cidadãos se deram conta de que se tratava de uma ditadura forte, que a censura e a violência apareceriam a galope, era só uma questão de tempo.

Carlos Heitor Cony. Nome de um destes cidadãos que não se deixou enganar pela mentalidade alienada da maioria da sociedade brasileira da época. “Eu não entrei nesta. Chamava o ano de 1964 de revolução de caranguejos porque eu achei que era uma violência. Muitos políticos que embarcaram no golpe, quando viram que os militares iam ficar no poder por muito tempo, começaram a mudar de lado”. O favoritismo daqueles que instauraram a ditadura no país era tanta que, se houvesse um plebiscito, cerca de 90% estariam a favor do golpe. Para Cony, apenas em 1968, com o endurecimento do regime e a instauração do AI-5, é que houve uma consciência de que era preciso fazer alguma coisa para derrubar os militares. “Mas, mesmo assim, não fizeram nada, porque a ditadura durou até 85, mais de vinte anos”.

Apesar de muitos protestos e passeatas, muito pouco havia no sentido de combater o regime de frente. As crônicas políticas que Cony publicava nos jornais, antes da censura de 1968, denunciavam o governo, acusando os militares de estabelecerem no país um governo autoritário, em que se excluía a participação popular. Até mesmo Luís Fernando Veríssimo, muito jovem na época, disse que a única participação política é que ele lia as crônicas do Cony e ficava satisfeito, com raiva dos militares. Os seqüestros de embaixadores e algumas tentativas de luta armada se caracterizavam como movimentos isolados, sem o apoio da população.

“Eu era jornalista de amenidades, falava sobre cinema, teatro, balé, mulher, música popular, futebol. Eu reclamei e combati os militares pela falta de liberdade, mas não tive apoio”. Carlos Heitor Cony foi o único jornalista processado e preso sob ordens do Ministro da Guerra Costa e Silva, na época, o maior poder político do país. As outras pessoas que trabalhavam nos jornais e na imprensa foram censurados para deixarem o trabalho, mas o caso de Cony é específico. Foram três meses na cadeia. “Meus amigos mudavam de esquina pra não falar comigo, com medo de serem contaminados. Eu não estava defendendo uma posição política, eu estava defendendo uma questão humana. Eu estava defendendo aquilo que eu chamaria de dignidade humana diante da força”. O livro que reúne algumas das crônicas de Cony foi publicado em 1964, com o título “O Ato e o Fato”. Para o autor, o ato era a ditadura e o fato era que, a partir daquele momento, o Brasil deixava de ser um país livre para se tornar um país escravo.

A geração da ditadura ficou arrebentada porque ficou sem liberdade. Em vez de se preocupar com as questões nacionais, muitos se interessavam por fazer música ou teatro de protesto, mas que não traria nenhuma solução. Não adiantaria cantar “Liberdade, liberdade”, sem tomar uma ação política. “Ainda sinto raiva. Estava tão na cara que era uma ditadura e, como é que o pessoal não percebeu isto? Os jornalistas e artistas ficaram com o rabinho entre as pernas até 68, que foi quando perceberam que quem mandava no Brasil eram os militares e resolveram mudar de lado”. Deixando de lado as questões políticas e sociais do país naquela época, o que não sai da cabeça são as imagens e as sensações do período. Cony esbravejou contra o regime militar de 1964 a 1985 e hoje, traz consigo a lembrança de seis prisões e da falta de percepção da sociedade brasileira diante do quadro de repressão que se instalava no país.




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